Imovéis em Brasília – A bolha imobiliária – E quando ela estourar?

Fonte:

http://opequenoinvestidor.com.br/2009/11/30/a-bolha-imobiliaria-de-brasilia-e-os-alugueis

Nos últimos tópicos sobre imóveis, abordei a questão relativa à bolha imobiliária que acredito estar se formando em Brasília a partir do prisma da dificuldade de pagamento que o comprador enfrentaria, mesmo com um bom salário. Mesmo ganhando mais de 20 salários mínimos e casado com alguém que ganhasse o mesmo valor, ele teria muitas dificuldades para financiar o sonho “casa própria”, se não conseguisse pagar o empreendimento a vista.

Tenho recebido muitos e-mails e comentários no blog concordando com meu ponto de vista, mas também há muitos leitores questionando minha visão das coisas. Isso é muito bom: olhar um problema sob várias perspectivas usualmente nos leva a refletir sobre ele de uma maneira mais produtiva.

Por isso, escrevo novamente sobre o assunto: para tentar mostrar que a relação entre o preço dos imóveis e os aluguéis também confirma a minha hipótese da bolha imobiliária. Por que escolhi essa perspectiva de abordagem? Por uma única razão: no mundo dos investimentos, um ativo só é considerado rentável se conseguir trazer de retorno a seu proprietário mais de 6% de seu valor por ano. Menos do que isso, não vale à pena investir.

Essa relação se aplica ao mundo das ações. A relação entre o lucro da empresa e o preço pago pela ação é um bom indicador para verificar se o ativo é rentável ou não (e, por isso, uma ação cujo índice P/L – preço por lucro – muito alto indica uma sobrevalorização do ativo). Há investidores mais cautelosos, como Décio Bazin, que adotam a relação entre o valor que a empresa paga a título de dividendos e o preço pago pelo investidor: se a empresa pagar menos que 6% de dividendos, ela seria um investimento ruim.

É possível aplicar essa relação à renda fixa, também: comprar títulos do tesouro ou quotas de um fundo de investimentos que pague menos que 6% ao ano seria um investimento ruim, porque praticamente só acompanha a inflação.  Enfim, o mágico número dos 6% é anuais é um  indicador bastante levado em consideração para se aferir a rentabilidade de um investimento. Rendeu mais que 6%? Ótimo investimento; rendeu menos? Péssimo  investimento.

Como está a relação entre o aluguel cobrado e o preço dos imóveis em Brasília? Se estiver acima de 6% anual em relação ao valor dos imóveis, os imóveis estão subvalorizados (ou os aluguéis caros); se estiver abaixo dos 6%, isso significa dizer que os imóveis estão caros (ou os aluguéis baratos, dependendo do ponto de vista). Um agente racional preferiria vender seu imóvel para poder conseguir seus 6% anuais com outros investimentos; não seria racional ter o imóvel se ele rendesse menos do que os 6% anuais com sua rentabilidade.

Em Brasília, podemos perceber que há casos de intensa sobrevalorização do imóvel. Vamos ver alguns exemplos, retirados do site Wimóveis, um conhecido site que anuncia imóveis tanto para venda quanto para aluguel. Para evitar distorções devido às diferentes regiões da cidade, vou buscar imóveis da mesma quadra residencial, com tamanho assemelhado e o mesmo número de cômodos para fins de comparação. Utilizamos esses dados, temos os seguintes exemplos:

1) Apartamento à venda no Bloco A na quadra SQN 304, de 4 quartos e 200 metros quadrados. Valor de venda: R$ 1.500.000,00; valor de aluguel: R$ 3.900,00 (R$ 46.800,00 anuais). Relação entre aluguel e preço do imóvel: 3,12%.

2) Apartamento à venda na quadra SQS 216, com 3 quartos e 170 metros quadrados. Valor de venda R$ 1.300.000,00; valor de aluguel: entre R$ 3.000,00 e R$ 3.400,00 (entre R$ 36.000,00 e R$ 40.800,00 anuais). Relação entre aluguel e preço do imóvel: entre 2,7% e 3,1%.

3) Apartamento à venda na quadra SQN 309, com 3 quartos e 95 metros quadrados. Valor de venda R$ 870.000,00; valor de aluguel: R$ 2.500,00 (R$ 30.000,00 anuais). Relação entre aluguel e preço do imóvel:  3,4%.

4) Apartamento à venda na quadra SQN 115, com 3 quartos e 120 metros quadrados. Valor de venda: R$ 900.000,00; valor de aluguel: R$ 3.250,00 (R$ 39.000,00 anuais). Relação entre aluguel e preço do imóvel: 4,3%.

5) Apartamento à venda na quadra SQN 411, com 3 quartos e 90 metros quadrados. Valor de venda: R$ 450.000,00; valor de aluguel: R$ 1.600,00 (19.200,00 anuais). Relação entre aluguel e preço do imóvel: 4,2%.

6)  Apartamento à venda na quadra SQN 316, com 2 quartos e 74 metros quadrados. Valor de venda: R$ 515.000,00; valor de aluguel: R$ 1.700,00 (20.000,00 anuais). Relação entre aluguel e preço do imóvel: 3,8%.

Acredito que esses números reforçam a hipótese da bolha imobiliária. Todos os apartamentos que citei estão com valor bastante abaixo da casa dos 6% ao ano. Algum dos leitores pode retrucar: ah, Fábio, mas há apartamentos cuja relação entre valor e aluguel está na casa dos 4,3%, bem perto dos 6% anuais.

Mas a coisa não é tão simples assim: a diferença entre os 4.3% e os 6%, quando pensamos em termos percentuais, é da ordem de 25%. Ou seja, para restabelecer os 6% remuneratórios, o valor do apartamento teria que retroceder 25% ou o valor dos aluguéis teria que subir 30% (quando trabalhamos em termos percentuais, o restabelecimento de uma relação depende do valor inferior subir mais do que a diferença entre ele e o valor superior) para que a diferença se estabelecesse.  

Isso significa dizer que, para que o apartamento n. 4 restabeleça sua relação de 6% com o valor do aluguel, o o seu valor cairia de R$ 900.000,00 para a casa dos R$ 645.000,00! Uma queda de 29%, ou quase um terço do valor do imóvel. Para que o apartamento n. 1 restabeleça a relação de 6% com o valor do aluguel, o seu preço deveria cair ainda mais: de R$ 1.500.000,00 para R$ 780.000,00! Queda de 48% no valor do imóvel!

Outra maneira de reajustar essa relação seria aumentar o valor do aluguel. Assim, o apartamento de n. 1 deveria ser alugado por aproximadamente R$ 7.500,00, ao passo que hoje é alugado por R$ 3.900,00. O apartamento n. 4, por sua vez, deveria ser alugado por R$ 4.500,00 (hoje é alugado por R$ 3.250,00). No primeiro caso, o reajuste no aluguel deveria ser de 92%; e, no segundo caso, de 38%.

Essa análise possibilita duas conclusões distintas: ou os aluguéis em Brasília estão muito baratos, ou o preço dos imóveis é que está muito alto.

Acredito, contudo, que a segunda hipótese está correta – reforçando a minha conclusão dos posts anteriores. O preço dos aluguéis não pode ultrapassar determinado patamar, que é dado justamente pelo salário de quem aluga. Se o preço dos aluguéis sobe muito, fica inviável a manutenção do aluguel e o apartamento acaba tendo que ficar vazio, porque não há demanda por aqueles preços. Sem demanda, o preço cai – por isso, o valor dos aluguéis não consegue acompanhar o preço de venda dos imóveis em Brasília: se eles subirem demais, não haverá ninguém disposto a pagar os preços cobrados.

Como já vimos, só 3.3%  da população de Brasília ganha mais do que R$ 9.600,00 por mês. E esse é o salário bruto! Essas pessoas jamais conseguiriam sustentar um aumento brusco entre 30-90% no valor dos aluguéi
s pagos, para reajustar o valor de 6% da relação entre o preço do imóvel e o aluguel.

Muitos leitores que me enviaram e-mails ou deixaram comentários no próprio blog têm apontado que o motivos dos altos preços de imóveis em Brasília é o incentivo governamental. O governo teria interesse no aumento desses preços, tanto porque monopoliza as novas áreas de construção (que têm que ser vendidas pelo poder público), quanto porque o vice-governador é um empresário do setor de construção civil e, portanto, tem um interesse direto na elevação dos preços. Outra explicação seria o fato de em Brasília haver poucos apartamentos à disposição, o que levaria à escassez de oferta – com menos oferta, maior a demanda, maiores os preços.

Não acredito que esses fatores são suficientes para justificar a elevação dos preços daqui. Esses fatores podem explicar (mostrar porque isso acontece), mas não justificar (mostrar que isso acontece de maneira economicamente sustentável). O eventual interesse do governo na elevação dos preços, aliado ao suposto interesse do vice-governador (sobre isso não manifesto minha opinião), até poderiam explicar uma elevação artifical desses preços, mas não explicar que esse movimento é sustentável.

Também não acredito na hipótese da escassez de oferta. Uma olhadela no site a que me referi antes mostra como a oferta de apartamentos com preço superior a R$ 500.000,00 mostra um resultado com aproximadamente 530 unidades sendo vendidas, só no plano piloto. A R$ 800.000,00, são mais 450 unidades. A R$ 300.000,00, são  315 unidades. Só nesse site, são mais de 1.295 unidades no plano piloto, além de mais de 3.360 unidades em Águas Claras (totalizando, nessas duas cidades, 4.665 unidades). E isso é só o que está sendo anunciado nesse site; há algumas imobiliárias que não o utilizam e há vendedores que não usam o site também. Isso sem contar as unidades que passam meses sendo anunciadas no site, antes que a venda se concretize. Se a demanda fosse tão alta quanto anunciam por apartamentos desse preço, isso provavelmente não aconteceria.

Sei que minhas análises são parciais. Eu só posso examinar os dados que tenho a minha disposição, e preferi dar voz ao pequeno investidor. Aquele sujeito que trabalha o mês inteiro e é responsável com suas finanças, porque sabe o quanto tem que batalhar por aquele dinheiro. Sei também que posso estar errado e, daqui a dez anos, uma quitinete pode custar R$ 900.000,00, e todos os compradores felizes e alegres de hoje estarão zombando de minha análise.

Mas toda análise é parcial e pode estar errada. A mídia daqui de Brasília só fala que os preços dos imóveis vão “bombar”, e praticamente não dá voz a opiniões contrárias. Mas, entre uma notícia e outra, lá está um anúncio de uma construtora daqui. Os corretores, por sua vez, dizem que os preços subirão à taxa de 20-25% ao ano, todo ano, pela próxima década. Eu não acredito nisso, e apresentei meus motivos. A renda da população local, mesmo superior à média do país, não é capaz de sustentar esse ritmo de aumento nos preços.

Só espero uma coisa do leitor: que faça sua própria análise. Apenas estou fornecendo alguns dados que me parecem justificar uma opinião contra a maré dos que acham que os imóveis de Brasília são uma máquina de gerar lucros perpétuos. Cada um é responsável por seu próprio dinheiro e sabe onde deve investi-lo ou gastá-lo.

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